Jamais perguntaram às borboletas se elas preferiam
fincar os pés na terra ao invés de morrerem esmagadas em uma janela
fechada de carro. Jamais perguntaram às cobras se elas gostam de
rastejar pelo chão e gastar as peçonhas com calcanhares de bichos
venenosos. Queria eu saber se os pássaros não sentem inveja dos peixes e
se as montanhas gostam de dançar. Nunca vi alguém questionar a vida. É
porque é e nunca deixou de ser. E se as pegadas não precisassem de pés
para serem marcadas? E se as águas não precisassem do vento para
formarem ondas? E se a saudade, o amor e as lembranças não precisasse de
mim? Difícil enxergar pelo ângulo mais fácil. Brechas e desconfortos
são sempre mais cômodos. Nunca perguntei ao silêncio se ele gostava das
minhas lágrimas em madrugadas petulantes, nunca quis saber se o
travesseiro gosta de tanta inquietação e poesia melodramática. Eu já não
gosto de ser quem nasci para ser. Enjoei das minhas olheiras e lábios
ressecados, das minhas dúvidas e certezas. Mudar o velho vaso de planta
do lugar não me preenche como a rotina. Estou cansado das mudanças não
mudarem. Estou cansado de ver Lua e Sol e mesmo assim me sentir como um
crepúsculo alaranjado; estou cansado de ser alegre e triste e sorrir
largo da mesma maneira; estou cansado de ir à batizados e enterros
quando nem mesmo sei em qual deles devo chorar. Afinal, ninguém
perguntou para a vida se ela gosta de permanecer ou para a morte se ela
gosta de partir. Talvez o que precise se chame “inversos”. Que a
tristeza finque o pé no chão um dia e diga que não irá chorar. Que o
ciúmes se decida e me convença que meus olhos mentem, e que meus olhos
se cansem de enxergar. Ninguém perguntou à realidade se ela é realmente a
dona da razão e se a mentira mente o tempo inteiro. Ninguém perguntou
aos sábios se eles gostam da loucura ou para os livros se eles
conformam-se com teias de aranhas. Ninguém perguntou a minha alma se ela
já está cansada de cair em precipícios infinitos. Eu gostaria de saber
se a vida gosta de ser vivida, se o espelho é mesmo o que está ao
contrário, ou se nós estamos do lado errado. Todos clamam por sabedoria,
mas ninguém quer saber de lagartas arrependidas por abraçarem o vento.
- A.K
- A.K
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