Pra ser lido em meio ao silêncio, por favor.
Ela piscou os olhos duas ou três vezes. Queria ter certeza que estava acordada, mas não sabia ao certo ainda. Mirava à frente uma imagem mais ou menos conhecida, e mesmo assim curiosa. Uma grande imagem monocromática de um parque e da figura refletiam em algum lugar em meio à imensidão.
Havia olheiras, muitas delas; havia cansaço em todas as feições, em cada gesto, cada jeito. Os olhos não brilhavam mais, até mesmo os fios ruivos perderam a vida. As árvores balançavam com a brisa suave e fria, carregando as vestes do ser que não se movia. Tinha os olhos opacos, parecia preocupado.
A observadora estendeu a mão até onde pode. Quis afagar-lhe, consolar-lhe e mesmo se não pudesse, quis ajudá-lo. Só não esperava que quando finalmente pudesse lhe tocar, estaria tocando um espelho frio.
Acordou de um susto, tomou três goles do ar.
Olhou um mar de lençóis ao redor e sentiu-se afogar.
Preciso de um tempo até entender que não precisava ter medo, apesar de saber que era só autoproteção. Sabe, a única coisa da qual se deve ter medo é de si mesmo. O espelho deveria ser um alerta, um sinal de perigo.
Sacou o celular e observou as horas sem realmente se importar. O sono ainda embebedava seu sangue. Discou a efeito de costume o número conhecido, colocou o celular no viva-voz. Fechou os olhos.
Três ligações depois, escutou uma voz gutural, mas plenamente acordada, que murmurou algo como alô:
- Eu preciso ir.
- Sabe que horas são?
- Não. Sei que preciso ir.
- Nós não tínhamos combinado que seria melhor não prolongar isso e...
- Não me interessa. Eu só preciso ir, por favor, não me diga outro não.
Aquele silêncio desconfortável que é cortado só pela respiração de alguém penetrou em forma de sombra. Gritava. Esmagava. Ele apenas respirava, ela esperava paciente seu outro não.
- Você não tem aula ainda hoje?
- Que horas sai o avião?
- Não quero que você perca aula por mim.
- Não quero perder você e estou perdendo. A vida é uma merda e você não pode ter tudo que quer. - ela disse, engolindo uma lágrima. - Que horas?
- Às cinco...
- Eu estarei lá.
- Eu não quero.
- Quando você terminou comigo, eu deixei de me importar com o que você quer ou não. Agora eu estou cuidando de mim. E eu preciso ir.
Desligou e lembrou que não sabia nadar.
Levantou. Engoliu o choro. Caminhou até o banheiro. Sentiu medo do espelho. Chorou. Vestiu um short meio rasgado e uma camiseta. Amarrou os cadarços. Escovou os dentes. Esqueceu de pentear o cabelo. Desceu. Tomou um taxi. Chorou denovo. Chegou.
Eram quarto da manhã e os coturnos apressados machucavam o chão. A cada passo, uma quase corrida. A cada olhada, uma procura. Quando encontrou, engoliu o choro. Ninguém precisava saber que você chorou. Quando o encontrou, nenhuma palavra.
Cruzou seus dedos aos dele enquanto ele tocou a tatuagem do seu pulso com o dedão. As veias dela latejaram, os olhos dele encheram d'água. A alma dos dois se misturou novamente.
Sem dizer nenhuma palavra, ele a puxou para um dos bancos. Sentou-se e ela sentou-se em seu colo. Aninhou-se no que sempre considerará um lar. O peito dele coberto por uma camisa era quente. O coração dela gelava cada vez mais. Os braços dele a envolveram protetores. Ela fechou os olhos e desejou morrer ou qualquer coisa menos dolorosa do que pensar.
Respirava devagar. Sentiu o peito dele subir e descer. Ignorou todos os barulhos lá fora. Seu ouvido captando apenas o coração dele. Tum-tumtum-tum. Bloqueava os pensamentos. Os pensamentos irrigavam sua mente. Sua alma dançava e se misturava cada vez mais a dele. O sol começava a nascer. O avião pousou.
Alguém sabe como se pára o Tempo?
Alguém sabe como se livrar da Distância?
Alguém sabe como se esquece um Amor?
Não.
Ninguém sabe.
Ouvir dizer que o pior é que a gente sobrevive e concordei.
O pior é que a gente sobrevive.
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